quarta-feira, 3 de abril de 2013

A Tempestade


No início, estava o tempo ao encalço do tempo. Temporais soltaram raios depois, quando uma brisa já havia chegado, desde antes, quando a memória deixara os confetes parados no ar, na despedida, estáticos como o sorriso invernado nos lábios dela.
Aniversário. Quantos já se passaram? E os confetes gelados formigavam meus pensamentos. Essas coisas invisíveis é que iniciaram as tempestades que sobrevieram logo depois. Mas havia algo naquela imagem regelada, movendo-se a cada ano, algo de oculto, incompreendido.
Todos os ventos saíam de sua boca. “Qual é o seu nome?” O vento era estrondoso. Por vezes, chovia entre os guarda-chuvas abertos. O meu era o único lacrado. Eu entrava, então, nas tempestades e fazia vibrar a enxurrada com o meu grito. Em ocasiões, dizia coisas incompreensíveis que eram abafadas pelos trovões, e os raios faziam vazar os meus pensamentos, menos a lembrança dela, quase estática, com aquele sorriso suspendendo confetes.
Desde então, sempre que os vendavais balançam as cortinas, eu fecho as janelas do quarto e tento organizar os arquivos de jornais achados nos temporais, coisas que voavam com o vento, coisas que costumava pendurar nos varais; e os escritos secavam no solzinho da manhã. E havia muita fotografia, pessoas desconhecidas e também grandes personalidades, arquitetura, letras e letras. Minhas coisas. 
Preciso daquilo. Há cerca de um mês eu não sonho mais, a não ser quando os vendavais, as tempestades, os furacões desordenam as minhas coisas, quando eu grito correndo pela chuva, e o rosto dela parece se mexer entre as gotas nos meus olhos. Todos os ventos bradam, e eu rodopio e danço encharcado, com os cabelos desgrenhados. Em meus sonhos as palavras brotam, e eu vejo as letras pingarem como os confetes. Meus sonhos. Neles só há ventos.
Um dia desses, de chuva na vidraça, eu corri e gritei o nome dela. Sua boca tornou-se um imenso furacão de inverno. Meu corpo lançado a todo o vento, girando e se retorcendo. De repente, pareceu ficar imóvel, suspenso no centro do redemoinho. Coisas girando, gritos e choro, placas de paredes e telhados se movendo; e eu suspenso no olho do furacão. Havia palavras, letras e letras no caos e chuva. “Qual é o meu nome?” tentei lembrar, mas o vento varreu meus pensamentos. “Lembra, lembra corpo vazio, ossos, mãos no carpete correm, o corpo na chuva e o nome, de água meus olhos, olho, olho os lábios, dela rugiam, rugiam e ventavam.” Acordei sobre os destroços, longe, no meu aniversário. Não sei mais quem sou. Quando olho no espelho, esse outro sonho, as palavras se mexem do outro lado, vazias de vento.

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