terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Mártir

O poema debateu-se em gládios
afiados. Golpe a golpe, 
sem plateia
ou arena. Pujante 
líquido negro escorreu de suas artérias 
rompidas. Derramou-se na árida
página fendida 
por vigas. Ali jaz, 
esquecido dos deuses 
alheios às palavras últimas.

.


domingo, 15 de janeiro de 2017

Casa Abandonada

Hesitante retina em silenciosas
e efêmeras
imagens. Sobressalto, sonho
ou realidade. Sobe a neblina e desaparece,
tece a sã loucura no entreato do olhar
que almeja o real. O possível
torna-se impossível
e vice-versa. Das entranhas
sobe um arrepio. Sinos
ecoam nos lupanares inabitados,
e ermos revelam
formas estranhas, autômatos grotescos
do inexorável. Um rosto
suspira atrás do vidro
da janela. A sombra
da velha casa cobre a rua, e a procissão
de pássaros em combustão
à luz dos primeiros raios
do dia. À noite, novamente,
réstias de pensamentos
tiritam. À janela não há
rosto. Há,

somente,
uma figura relutante
atrás da oblíqua
névoa.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Retrato

A face estranha
estanca a alma. A faca
esculpe, a sombra
invade a outra face. A luz
ofusca o corte fundo.
As cicatrizes na penumbra
ocultam o lado
da carranca. Eriçam
os pelos da nuca. Estranho olho
amadeirado. A criatura
irrompe bruta. No lado oposto
da lâmina, o tempo
esculpe o outro
olho
e outra alma.





sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Mensageiro dos Ventos

Li teu silêncio impossível.  Limite
entre corpos invisíveis. Risos
vazios, vícios
em estertores
e sinonímias. Tuas máscaras
urdidas em sinismos
arregalam teus olhos
anfíbios. Mentira,
vil engodo erigido em milênios
de respiração. Isca lançada,
dissimula o dia em sintaxe
forjada em lisonjas frias.
Vi teus cílios de vidro. Sístólicos
tiques na brisa. Balançam,
tilintam nus. Cacos de prisma,
insistem e se quebram
fatigados na luz.


quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Marítimo

Navego a abissal. Navios degredados
juntam-se à frota. Indecifrável
tempo de ferrugem. Elmos e espadas
salgadas pelo vórtice. Monstros
em teus olhos inimigos, amantes
de outrora e do esquecimento.
Silvar das cordas no vento
das batalhas náufragas. O poeta
na proa canta bravio
o sangue derramado em tragos
longos e escancarados. Gritos
tintos e clamor. Teus medos
remexem-se debaixo d'água,
serpenteiam as arestas vazias
da memória. Caem
em alfarrábios, descem as águas
e o sonho.  Cânticos
circunscritos em teus olhos
investem
novas batalhas.






terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Ideograma

A ave retorna
ao voo. Descompasso rasante 
da adaga lançada. Vitupera 
o alvo. O peito
vibrando as plumas. Asas metálicas
 em corte seco. Divide a alma
em outras almas, mais aladas,
de criança. O olhar
de seiva, nutre
o instante, rufla o verbo
em breve voo
e desatino.