sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Iluminura

Um pássaro pousa no caos. Equilibra
os olhos na luz. Pensamentos 
misturam-se às asas. O vento
não vem. A noite
abre-se em chamas, 
incinera a purpurea tinta
e penas. Palavras
e cinzas em lumes mudos.Vagueiam
apenas. Resistem
aéreos ao mundo. Plumas
acesas
em mistérios.




terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Separação

Aquário turvo. Artrópodes
tateiam sentimentos e tamborilam
falsos sorrisos. Lodo,
excesso de luz natural. Olhos
fecharam-se tardiamente. 
Exoesqueleto  partido: coração
exposto, aberto pela quilha
do barco em fuga.
Goteja o sangue, curva-se
ao fundo,
incrusta-se no tênue vidro
que nos separa. Olhares
estranhos alimentando
o limo. Teu rosto
na penumbra,
do outro lado,
mistura-se ao verde.





quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Vazio

Nada a dizer. Tudo
perdeu a alma. O olhar,
mariposa esquálida
chocando-se na lâmpada acesa.

Repetem-se os dias. Vagam 
sonolentos, dormem. No passado
perdi a palavra, a linha
que tecia a boca. Labirinto
branco de papel.




quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Décor

Deixei o tempo consumir o tempo,
o silêncio desbotar o azul
das paredes. A palavra não dita
inundar de cadáveres a sala. A cólera
amanheceu à mesa, tinta invisível,
escorrendo pelos cantos,
supurando o olhar imóvel
do relógio.






quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Tichê e Automaton

No anzol, um sonho
se debate.
Pousa no espelho d'água
e submerge.

Desce ao fundo,
animal angustiado. Insiste,
contorce. Quer dizer, mas não
diz. Diz. Repete
sem saber que repetiu.
Reprime a superfície
e retorna. Deseja
o anzol. Voraz,
engole, mnemônico,
o pôr do sol. Resiste.
Abre os olhos e escamas,
recalcada quimera, insiste,
distorce. De novo
e de novo,
até ser outra coisa.
Indecifrável. Retorna
e repete.

No crisol, um sonho
se reprime
Pulsa incontrolável
e floresce.








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segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Titereiro

Tensiona e relaxa,
de movimento a movimento,
imitando o real.
Ilusão, mentira.

Mas ninguém notou,
nem o boneco disforme que dança
pendurado pelos fios
frágeis das emoções,
o movimento sutil,
maquiavélico
do condutor.

O titereiro
manipula ao seu bel-prazer
a antítese sombria da verdade.
Ele quase acredita que o títere tem vida
em suas mãos.

De repente, o boneco percebe
o balançar dos fios que o conduz
E num salto repentino,
visceral,
arrebenta as cordas
e dança o Libertango.